Eu tenho uma amiga, a Ana Paula, uma excelente profissional de RH com diversas habilidades, que consegue estabelecer um processo para qualquer coisa. Acho que quando ela nasceu, recebeu um download de algum programa de modo que ela traduz tudo naqueles símbolos geométricos e setinhas, com um círculo escrito “fim” ao final. Eu admiro muito a Ana e quem tem essa capacidade. Definitivamente, não é uma habilidade natural minha, mas eu me dediquei a aprender um pouco, o suficiente para sobreviver, porque é fundamental para estabelecer processos.
Digo isso, porque um designer instrucional, para obter um bom resultado na sua atuação, precisa seguir um processo. Existem vários modelos para a elaboração de soluções de aprendizagem (6Ds, SAM, Taxonomia de Bloom, entre outros). Eu escolhi falar aqui sobre o modelo ADDIE, muito popular no meio de Aprendizagem.
ADDIE é um acrônimo em que cada letra representa uma etapa do processo de elaboração de soluções de aprendizagem: Analysis (Análise), Design (Desenho), Development (Desenvolvimento), Implementation (Implementação) e Evaluation (Avaliação). Se traduzíssemos para o português, o acrônimo seria ADDIA, que eu não considero tão sonoro quanto “ADDIE” e ainda me remete ao verbo “adiar”, que eu acho pouco atraente para quem está elaborando algum material. A seguir, vou explicar brevemente o que acontece em cada uma das etapas desse processo.
O começo de tudo: Análise
Definição:
A primeira etapa tem como objetivo entender a demanda. Basicamente, você precisa ter de forma muito clara o que se espera que o público alvo aprenda. Indo um pouco mais além, o que se espera que o público faça.
Nessa etapa, é fundamental ter a clareza de se a solução para o problema em questão é mesmo um treinamento.
Outras perguntas que devem ser respondidas nessa etapa são:
- Quais os objetivos desse treinamento?
- Quais recursos estão disponíveis?
- Quem é o público-alvo? Qual o seu perfil? É necessário explorar se há variáveis que podem afetar os resultados, considerando educação, influências culturais, habilidades verbais, preferências de aprendizagem, motivação, política organizacional e experiência relevante com o tema em questão.
- Quais os possíveis tipos de treinamento para lidar com o que precisa ser aprendido? Responder a esta questão ajuda a estreitar as opções de design instrucional. Algumas alternativas são: desenvolvimento de habilidades, conhecimento técnico, marketing, gestão, “cross-cultural”, mudança organizacional, instrução, sensibilização ou formação acadêmica tradicional.
- Quais plataformas podem ser consideradas? Ou seja: por que meios a solução será transmitida: sala de aula, on the job, abordagem multimídia, educação a distância, seminário etc.
- Quais são os recursos disponíveis? Desde o acesso ao Especialista no Assunto (SME), quando pertinente, a materiais em geral, impressos, outros cursos existentes, facilitadores disponíveis para a implementação, equipamentos, como computadores, projetores etc.
- Quais restrições podem interferir durante a elaboração do projeto em questão? Oque pode causar problemas, como deadlines pouco razoáveis, dificuldades de acesso às instalações, limitações das plataformas ou qualquer coisa que possa impactar o projeto.
Essas informações serão necessárias ao longo de todo o processo, o que significa que todo esse levantamento – que pode ser feito por intermédio de entrevistas, pesquisas, grupos de foco, revisão de materiais, painéis com especialistas – precisa ser feito de forma detalhada e criteriosa.
Exemplo:
Há alguns anos, a empresa onde eu estava trabalhando iniciou um processo de revisar a plataforma onde eram realizadas as avaliações de desempenho. Como gestora da área de Aprendizagem e Desenvolvimento, fiquei à frente do projeto. Uma das ações foi – junto com a gerente geral da área de RH – reunir gestores para obter as percepções deles sobre como era e o que eles esperavam desse processo. Ao longo desses encontros, chegou-se à conclusão de que seria necessário preparar gestores para que pudessem desempenhar seu papel da melhor forma possível nesse importante processo da organização. Muito do que foi compartilhado nesses encontros serviu como base para a elaboração de um workshop que seria lançado junto com a nova plataforma. Assim, os encontros, cujo principal propósito era definir as novas “regras do jogo”, acabaram servindo também para análise e levantamento de elementos que serviram para moldar o treinamento sobre elaboração de metas e condução de reuniões de feedback.
Criando soluções: Desenho
Definição:
É a etapa em que o designer define os fundamentos básicos (objetivos de aprendizagem e as etapas que precisam ser desenvolvidas para seu alcance) e a estrutura, que resume as questões de implementação e a plataforma em que será desenvolvida a solução. Em resumo as principais entregas dessa etapa são:
- Elaboração do esquema (blueprint) do programa
- Definição dos objetivos de aprendizagem
- Como será a avaliação
- Qual a sequência e a estrutura do programa
- Que materiais serão necessários
O produto final é um plano, que serve como um esquema para desenvolver o treinamento e que também lista os objetivos do programa e os itens necessários à sua realização. O plano precisa informar marcos e prazos.
Exemplo:
Seguindo no exemplo do curso de Elaboração de Metas e Feedback, a partir da análise realizada, foi elaborado um esqueleto do curso que seria ofertado. Pela natureza do assunto e também pela necessidade de promover um maior entrosamento entre os gestores, o curso seria presencial e, além de informar sobre as principais mudanças no processo de avaliação desempenho, seriam oferecidas diversas situações com as quais os gestores deveriam lidar, desde a etapa de alinhamento das metas até os momentos de feedback.
Trazendo o desenho à realidade: Desenvolvimento
Descrição:
É quando tudo o que foi planejado na etapa de desenho começa a se tornar realidade. Além do preparo minucioso de como será a ação de aprendizagem, nessa etapa, são elaborados todos os materiais que serão utilizado para um melhor aproveitamento por parte dos alunos.
Nessa etapa do projeto é comum a realização de um piloto, que permite testar se o formato irá atender às necessidades. A partir desse piloto, mudanças podem ser implementadas para melhor ajustar a oferta aos objetivos de aprendizagem. A boa prática recomenda que:
- a elaboração de materiais seja ainda em formato de rascunho para uma revisão detalhada do especialista do assunto (SME)
- Vídeos, áudios ou programas de computador, assim como os materiais impressos, também devem ser criteriosamente revisados
- Mudanças vistas como necessárias após a realização do piloto sejam incorporadas
- Seja feita a distribuição do programa para sua implementação
Exemplo:
Uma vez elaborado o esqueleto do workshop de metas e feedback, seguiu-se o trabalho de elaboração dos materiais para apresentações , assim como das situações que seriam a base das práticas de elaboração de metas e condução de reuniões de feedback. Foram criados diversos role-plays que, após o piloto, sofreram várias alterações para uma melhor adequação à realidade da organização e do público-alvo.
Realizar um piloto dá trabalho e às vezes até um pouco de frustração, principalmente quando a gente percebe que algum recurso escolhido não oferece o resultado esperado, mas é melhor descobrir isso em um ambiente seguro de um piloto do que com os seus clientes finais, certo?
Quando o plano encontra seu público-alvo: Implementação
Descrição:
É o momento em que o plano que foi elaborado e testado se encontra com o público-alvo e o conteúdo é entregue. Nesse momento, a avaliação de primeiro nível (avaliação de reação) acontece.
Os principais pontos dessa etapa são:
- Se o desenho do programa como um todo está atendendo ao seu propósito
- Se ainda há necessidade de realizar pequenos ajustes
- Se o tamanho e o formato da turma estão adequados
- A partir da análise das avaliações de reação considerar se são necessárias alterações no desenho e/ou materiais
Exemplo:
Ao final de cada workshop sobre definição de metas, era distribuída a avaliação de reação. A partir dos comentários e algumas perguntas levantadas diretamente junto aos participantes ao final das primeiras turmas, alguns ajustes ainda foram realizados.
Medição da Efetividade: Avaliação
Descrição:
Embora o termo “avaliação” apareça ao final do modelo ADDIE, cabe ressaltar que ao longo de todas as etapas deve-se acompanhar o quão adequadas as ações previstas estão atendendo ao que se espera.
Elementos
- Confirmação de que o problema levantado na etapa de análise está correto e está gerando o impacto esperado na organização
- Interação com stakeholders para garantir que os objetivos estão atendendo à demanda.
- Atuação em todos os pontos de melhoria levantados por participantes, facilitadores e outros atores envolvidos no projeto
- Garantia da qualidade por meio de avaliação constante de todos os elementos do projeto
Exemplo:
Após a realização das primeiras turmas com gerentes e gerentes gerais, que eu mesma facilitei, foi realizado um evento de formação de facilitadores, quando outras pessoas da equipe de RH foram treinadas de modo que fosse possível atingir a todos os gestores da organização em um tempo mais eficiente. Além da formação, eu acompanhei diversos workshops como observadora, para dar o devido feedback a esses facilitadores formados o que contribuiu para garantir uma padronização do trabalho proposto.
Lendo a descrição de cada etapa do ADDIE, pode parecer que é um processo rígido e engessado, mas ele não é. É extremamente dinâmico e desafiador. Há outros modelos para elaboração de programas de aprendizagem que se assemelham em etapas e são igualmente válidos. Optei por compartilhar aqui o ADDIE pela sua popularidade, mas eu recomendo que você pesquise outros modelos, como o SAM (“Successive Aproximation Model” ou Modelo de Aproximação Sucessiva), que se baseia em metodologias ágeis, ou o 6Ds. Não importa o modelo, mas alguma disciplina é necessária, para que os esforços gerem o resultado esperado. Assim, recomendo que você encontre a “Ana” que existe dentro de você e elabore o seu projeto de aprendizagem com algum modelo, para que não tenha que voltar etapas, desperdiçando seu tempo e energia.